terça-feira, 3 de março de 2015

VIDA DE PROFESSOR UNIVERSITÁRIO


EXCELENTE TEXTO RETIRADO DE https://marcoarmello.wordpress.com/2015/02/12/professor/ DO PROFESSOR MARCO. VALE A PENA LER A LISTA DE COMENTÁRIOS ABAIXO DO POST NA PUBLICAÇÃO ORIGINAL. BOA LEITURA No Brasil, é comum ouvir bizarrices como “O Prof. Fulano reclama de dar aulas demais, mas o cargo dele é de professor, né?”. Ou seja, há muita confusão sobre quais seriam as reais atribuições de um professor universitário. Como esse é o cargo mais importante na carreira acadêmica, vale a pena dedicar um post inteiro a esclarecer essa questão. É claro que, na prática, o que cada professor faz no dia a dia varia muito entre universidades. Na verdade, há uma enorme variação mesmo entre professores de uma mesma universidade. As atribuições também vão mudando, conforme se progride verticalmente na carreira: substituto > assistente > adjunto > associado > titular. Aqui não vou tocar em problemas como concursos-gincana, acomodação, estabilidade fácil, isonomia salarial, salário defasado em relação à inflação etc., que merecem outros posts. Vou focar no sentido maior do cargo. Em outros idiomas e culturas, a diferença entre um professor universitário e outros tipos de professor fica clara já no vocabulário. Por exemplo, no inglês, o termo professor se aplica apenas ao professor universitário, enquanto teacher é o professor de escola e lecturer é o docente universitário, geralmente com doutorado, mas sem título de professor. Sim, nos EUA, Inglaterra e outros países, professor, mais do que um cargo, é um título. No alemão também se diferencia o professor universitário através do termo Professor, enquanto quem dá aulas em escolas é um Lehrer e quem dá aulas na universidade sem ter o título de professor é um Dozent. Não é uma questão de qual tipo de professor é melhor do que o outro, blablabla. Cada professor tem o seu papel no sistema educacional e todos são importantes. É apenas uma questão de diferenciar as carreiras e títulos, para se definir claramente o que se espera de cada professor. Então o que diferenciaria o professor universitário dos outros? Simples: esse cargo foi inventado para ser ocupado por profissionais que associam pesquisa e ensino. Sim, essas duas atividades são indissociáveis no conceito original de professor universitário. Mas, por que, Marco? Porque espera-se que um professor universitário esteja sempre na vanguarda da sua área. Espera-se que ele atue na formação de profissionais de nível superior, ensinando-lhes não apenas o conhecimento já sedimentado, mas também as novidades e macetes. Para se formar em uma profissão de nível superior, o aluno tem que ser apresentado tanto aos fundamentos quanto à vanguarda. Acima de tudo, espera-se que um professor universitário produza ele mesmo algumas novidades. Sim, um professor universitário tem a obrigação não apenas de transmitir, mas também de produzir conhecimento. E a transmissão de conhecimento se dá principalmente em sala de aula, passando informações consolidadas para os aspiras, e também divulgando descobertas em revistas técnicas indexadas e revisadas por pares. Então um professor universitário tem que fazer pesquisa também? Sim, claro! Ninguém se atualiza tanto em uma área, quanto alguém que precisa disso para fazer as próprias pesquisas, porque ama a ciência. And the plot thickens… Pelas leis brasileiras federais e estaduais, a carreia de professor universitário envolve, em geral, cinco pilares: Ensino: coordenação e participação em disciplinas de graduação e pós-graduação, presenciais ou à distância. Pesquisa: investigação científica ou tecnológica para produção de conhecimento. Na verdade, a área da pesquisa envolve mais um monte de coisas além da investigação e publicação, como revisão de artigos, editoração de revistas científicas, organização de congressos, administração de sociedades científicas, consultoria para agências de fomento, assessoria à imprensa, assessoria política dentro da área em que é perito e muito mais. Orientação: formação de novos cientistas através de estágios e projetos orientados de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Extensão: assessoria e divulgação de conhecimento científico e técnico para o público externo à universidade através de consultoria, palestras, cursos, exposições, museus etc. Administração: cargos de chefia em geral, cargos em órgão representativos da universidade (câmaras, conselhos, congregações), gerenciamento de projetos, captação de verbas externas, contabilidade, direção de laboratórios, etc. Dependendo da universidade e do seu regimento interno, espera-se que o professor universitário envolva-se com no mínimo dois ou três desses pilares. Os melhores professores acabam se envolvendo com todos. O único pilar obrigatório é o ensino. Só fica desobrigado parcial ou totalmente de dar aulas quem ocupa altos cargos administrativos, como chefe de departamento, diretor de instituto, pró-reitor ou reitor. Significa que, na prática, nem todo professor universitário é obrigado a fazer pesquisa. Vamos destrinchar um exemplo mais concreto: as universidades federais brasileiras. De acordo com a lei que rege essas instituições, o professor universitário “padrão” (sem cargo de chefia ou outras condicionantes) é obrigado a dar de 8 a 12 créditos por semestre. Cada crédito representa mais ou menos 15 h em sala de aula. Ou seja, o sujeito é obrigado a passar dentro de sala entre 120 e 180 h por semestre. Um professor dedicado, que de fato gasta tempo e energia com as aulas, precisa de no mínimo 2 h de preparação (slides, leituras, material biológico para aulas práticas, preparação de computadores etc.) para cada 1 h em sala. Vamos considerar que uma disciplina obrigatória de graduação tem 4 créditos (60 h) e costuma ser organizada de forma a ocupar 4 h em sala por semana. Logo, das 40 h de trabalho semanais determinadas por lei, o professor acaba passando pelo menos 12 h envolvido com a disciplina. Isso, fora as horas gastas com atendimento de alunos e correção de trabalhos. Assim, a conta pode facilmente chegar a 16 h por semana ocupadas com cada disciplina e piora na época das provas e entrega de trabalhos, se o professor não contar com ajudantes. Supondo uma turma com cerca de 60 alunos, imaginem a seriedade da ralação. E, já que o mínimo são 8 créditos, o que nós, professores, enfrentamos é isso vezes dois, pelo menos. Para se ocupar com 2 disciplinas de 4 créditos por semestre, totalizando 8 créditos, e realmente ministrá-las com qualidade, o professor universitário não poderia se envolver com mais nada! A quem estamos enganando? A única forma de aliviar essa carga é através da ajuda de pós-graduandos que atuam como tutores e graduandos que atuam como monitores. Mas nem todo professor ou toda disciplina contam com o apoio de auxiliares. Os tutores remunerados conhecidos internacionalmente como “TAs” (teaching assistants), comuns nos EUA, Alemanha, França e UK, chegaram a ter uma versão brasileira temporária durante o Reuni. Só que o programa foi planejado para durar apenas cinco anos. Só para variar, nada é pensado a longo prazo neste país, tudo é paliativo, tudo é jeitinho. Como alguém pode se dedicar de verdade à pesquisa de ponta tendo sobre os ombros o peso de uma carga didática massacrante como essa? Como alguém pode fazer extensão e atender de outras formas o mundo real fora da Academia, sendo obrigado a dar aulas igual a um burro de carga? Na verdade, como seria possível conciliar qualquer um dos outros quatro pilares da carreira com um ensino de qualidade em grande quantidade? O Brasil tem um verdadeiro fetiche pela sala de aula! Em universidades de ponta, a carga semestral obrigatória do professor não ultrapassa 4 créditos. Na prática, os professores e alunos passam muito menos tempo em sala, justamente porque se dá mais valor à independência dos aspiras. O bom aluno do ensino superior gasta a maior parte do seu tempo estudando por conta própria, sozinho ou em grupo, através de tarefas orientadas ou leitura espontânea. O momento em sala com o professor na aula teórica (lecture ou Vorlesung) serve para apresentar ou consolidar o conteúdo principal, receber orientações, tirar dúvidas e passar tarefas. No Brasil, castramos a individualidade, a criatividade, a autonomia, a iniciativa e o livre pensamento, porque insistimos em adestrar os alunos em cativeiro. Ok, estou divagando. Voltando ao ponto de vista do professor, dá para entender porque nunca chegaremos ao mesmo nível de qualidade em ensino e pesquisa do primeiro mundo? Ficou claro porque estamos fadados a enxugar gelo e ficar sempre dois passos atrás dos nossos colegas mais afortunados? Por favor, nunca mais diga que um professor universitário brasileiro não pode reclamar de dar aulas demais, porque “tem cargo de professor”. Isso é tão estúpido quanto dizer que um professor universitário que tem bolsa de produtividade está desrespeitando a dedicação exclusiva, porque é também “pesquisador do CNPq”.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Zoos x Santuários


Texto retirado de http://www.oeco.org.br/convidados/28902-zoos-x-santuarios-uma-disputa-sem-futuro-e-sem-utilidade Gostei do texto da Yara (Presidente da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil e Diretora Técnica do Parque das Aves). Vale a leitura... Qual a opinião de vocês quanto aos Zoológicos do Brasil? Quando comecei a trabalhar em um zoo, tinha a impressão que todos os argumentos contrários à existência destas instituições vinham de pessoas que eram contra manter animais em cativeiro. Após assumir a presidência da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil (SZB), há quase dois anos, percebi que o que incomoda mesmo é o fato de termos um público, o que para os críticos significa que estamos explorando economicamente os animais. É bem interessante, pois 56% das 124 instituições no Brasil não cobra entrada. Ao demonizar os zoos pelo papel de vilões capitalistas, sobram os pretensos "santuários" (não existe esta designação na legislação), que mantém também animais em cativeiro, mas vestidos com essa roupagem que mais parece funcionar como uma capa de invisibilidade e os torna praticamente imunes a críticas. Afinal, estão salvando os animais de nós, porcos capitalistas. O que mais me impressiona é que as pessoas não se revoltam se os animais estão mantidos em condições inadequadas em santuários. Parece que eles têm um salvo-conduto que lhes permite transitar pelo universo de cativeiro sem serem julgados ou avaliados, pois representam "o bem". E o fato de que em santuários os animais também estão em cativeiro parece ser irrelevante para os que defendem sua existência. Zoos trabalham com reprodução para a conservação, da qual dependem muitas espécies criticamente ameaçadas ou extintas na natureza. Temos exemplos no Brasil de duas espécies extintas na natureza que podem ser salvas por reprodução em cativeiro: a ararinha-azul e o mutum-de-Alagoas. Hoje, não existem ararinhas em zoos brasileiros, apenas em um criador particular, mas por muitos anos o Zoo de São Paulo integrou o programa. O programa de conservação do mutum-de-Alagoas agora terá a participação inicial de três zoos: Parque das Aves, Sorocaba e Bauru. Isso é uma contribuição direta dos zoos para a recuperação de uma espécie extinta na natureza. Trabalhos de recuperação de espécies e ambientes custam caro. Manter animais em boas condições custa caro. Apoiar técnica e financeiramente projetos de conservação em campo tem um custo altíssimo. O que os zoos arrecadam é importante para cobrir estes custos. No mundo, zoos são o terceiro maior financiador de projetos de conservação. Acho interessante o discurso "libertário" de instituições que acham que zoos não devem existir e que devemos soltar todos os animais (há cerca de 50 mil animais nos zoos brasileiros). Políticos oportunistas vez por outra propõem projetos de lei para transformar zoos em santuários. Este tipo de projeto costuma não ter pé nem cabeça e faz você pensar em que planeta de natureza intocada a pessoa vive. Quando os leio, piscam na minha frente duas palavras em um letreiro cheio de luzes: populismo e oportunismo. Considerando que milhares de animais são apreendidos diariamente oriundos do tráfico e montes de animais são resgatados vítimas de acidentes de caça, maus tratos e atropelamentos e que são destinados para zoológicos, eu sempre pergunto para estas pessoas: qual é o plano? Para onde estes animais seriam levados? Quem cuida? Com que recursos? Qual seria o projeto para espécies ameaçadas na natureza ou mesmo extintas -- e que precisam ser reproduzidas em cativeiro -- terem uma chance de sobrevivência? Adoraria ler o projeto deles para o gerenciamento da fauna no país. Mas a questão é esta: geralmente não há projeto, só discurso. Não há trabalho de educação, ou ações concretas para impedir a retirada de animais da natureza, por exemplo, para comércio ilegal. Ano passado os zoos do Brasil se engajaram em uma campanha para aumentar o número de usuários do Sistema Urubu, um aplicativo que pode ajudar a mapear os atropelamentos de fauna silvestre no Brasil e propor medidas mitigatórias de forma mais eficiente. Foi criado o Dia Nacional de Urubuzar, que teve a participação de cerca de 60 zoos, e que em um dia duplicou a quantidade de usuários do Sistema, de 5 mil para 10 mil pessoas. Os pretensos santuários no Brasil, a não ser que eu esteja muito mal informada, não trabalham com recuperação de espécies. O foco é apenas em indivíduos, e não há nada que garanta que os animais por eles mantidos vivem melhor do que os animais de zoológicos. O conceito de santuário no Brasil só tem força porque tem como base a visão romântica e irreal que das pessoas que veem estes lugares como Shangri-lás, onde vivem felizes animais resgatados dos zoos. Por sua vez, esta visão só se sustenta porque não há público que possa avaliar as reais condições dos animais. Uma coisa meio no estilo "animais longe dos olhos, mas discurso apelativo perto do coração". Tivemos recentemente circulando a notícia de que a justiça argentina teria aceito um pedido de habeas corpus para uma fêmea de orangotango que vive no Zoo de Buenos Aires há mais de 20 anos, sob o argumento de que ela sofre um "confinamento injustificado"....e que deveria ir para um esquema de "semi-liberdade", em um suposto santuário no Brasil. Isso não é semi-liberdade....é cativeiro da mesma forma, muitas vezes com recintos mais pobres em estímulo do que os zoos e com manejo questionável, onde os animais são alimentados com guloseimas variadas, que vão de feijoada a maionese, passando por marshmallow, tudo facilmente disponível em vídeos no Youtube. Uma coisa é clara: a ausência de público não transforma um depósito de animais em santuário, e o que garante o bem-estar dos animais não é o isolamento das pessoas, e sim um bom manejo. Independente da instituição. A presença de público permite ainda que só no Brasil, cerca de 20 milhões de pessoas por ano possam ser sensibilizadas para questões ambientais através do contato com animais. Já vimos santuários questionarem a eficácia do enriquecimento ambiental feito pelos zoos. Imagino que precisam disso para manter vivo o "mito" do santuário, porque se eles aceitarem que técnicas de enriquecimento podem sim melhorar a vida de animais em zoos, eles desconstroem seu maior (e equivocado) argumento: viver em um zoo jamais pode ser bom para um animal. Acredito que é necessária uma mudança de percepção: em vez de adotar uma postura pró ou contra zoos, que tal perceber que somos todos "pró-animais", e tentarmos juntos construir soluções eficientes? Essa batalha sem fim não agrega, não muda as coisas e divide esforços de quem poderia estar trabalhando de forma integrada. Além disso, tira o foco do problema real: como vamos melhorar nossas instituições? Quem se preocupa com animais deve lutar para que as instituições que os mantém sob cuidados humanos tenham excelência no manejo e priorizem o bem-estar animal, já que o nome "santuário" não garante a qualidade de vida de animal nenhum. A única coisa que a ausência de público visitante certamente garante é que fiquem longe dos "olhos" dos fiscais mais exigentes que uma instituição pode ter: os visitantes.